sexta-feira, 26 de julho de 2013

Ciências nos Quadrinhos:: Aquaman, um heróis sob pressão constante!

[ por Francisco de Assis ]

Acabei de ler agora a versão digital no #5 da nova revista do Aquaman e  reforço o que disse antes: suas aventuras estão entre as melhores publicações dos Novos 52. Na verdade, estão tão legais que se eu não tomar cuidado, vou acabar considerando-o como um de meus super-heróis favoritos.
Se isso se parece com algo que dificilmente seria dito por um fã de quadrinhos para seus colegas há alguns meses, agora já não me parece tão difícil. O Aquaman pouco a pouco deixa de desempenhar o papel de adestrador de peixes oficial da Liga da Justiça para ocupar seu lugar de direito entre os grandes heróis da DC Comics. A arte está muito boa e os roteiros ainda se dão ao luxo de fazer piadas com o status do personagem perante a sociedade.

Repito novamente que a pior coisa que poderiam ter feito com o personagem seria te-lo rebobinado aquele visual badass incrementado. Com todo respeito ao direito ao gosto individual, a versão “Capitão Gancho” (com barba comprida e o arpão substituindo a mão amputada) só perde para a versão  demônio da mão de vidro do herói. O reboot está respeitando as origens do personagem e consequentemente, sua essência de bom moço com péssimo gosto para combinar cores em suas roupas. 

Talvez uma das chaves para o sucesso das novas histórias seja terem escolhido como autor alguém que faz alguma idéia de como os poderes do herói deveriam funcionar, o que o aproxima muito do Superman em início de carreira (quando ele ainda não voava. As aventuras do herói nessa fase estão sendo publicadas na revista Action Comics) e quando se trata de super-heróis, essa é muitas vezes a chave para uma história decente. Muita gente se esquece do nível de poder do Aquaman.


Mas ainda cabem algumas ressalvas, principalmente quanto a superaudição mencionada neste gibi. Sendo o som uma onda mecânica, que se propaga melhor em meios mais densos, o heróis deveria escutar melhor dentro do que fora d’água, que é cerca de 750 vezes mais densa que o ar). A menos, é claro, que sua capacidade de ouvir debaixo d’água seja equivalente a superaudição do Superman na superfície: isso explicaria que mesmo ao perder um certo percentual de sua capacidade auditiva ao andar na superfície, ainda seja capaz de escutar melhor do que um homem comum.


Esse é um argumento bem especulativo, afinal um sujeito capaz de nadar do leito oceânico a superfície em 3 segundos (como mostrado nos primeiros números de sua nova revista) realiza um feito inimaginável para o ser humano. Mesmo com o auxílio de um submarino,  estamos falando da plataforma oceânica (cerca de 200 metros de profundidade) e um deslocamento dessa profundidade para a superfície em tão pouco tempo seria letal para um ser humano, devido a chamada doença da descompressão (ou bends).
Quando descem além de uma certa profundidade, os mergulhadores devem realizar paradas ocasionais durante sua subida à superfície, para se adequar a mudança de pressão. Muitos filmes e histórias em quadrinhos de ficção científica tratam do tema, apresentando as famosas “câmaras de descompressão”. Caso alguma vez tenha se perguntado o por que disso, saiba agora sua utilidade: evitar o bends. Essa capacidade de resistir a descompressão pode nos levar a entender também o quanto, exatamente, o Aquaman é forte. 


Vamos compará-lo a um ser humano. Mesmo o  mais relaxado dos banhistas em uma praia se encontra sob constante pressão, no valor de 1kg/cm².  Isso é a chamada “uma atmosfera” e representa a força, por unidade de área, exercida pela coluna de ar da atmosfera do plaenta Terra em um determinado ponto ao nível médio do mar. Ou seja, equivale ao “peso” da atmosfera sobre um quadradinho de 1 cm² que uma criança desenha com o dedo na areia da praia (lembrando que a unidade de medida correta para “peso” é o newton (N), por se tratar de uma Força) .

Quando alguém mergulha, o peso da coluna d´água sobre sua cabeça é  acrescido ao valor original de 1 atmosfera. De forma cumulativa, a cada 10 metros de profundidade devemos somar mais 1atmosfera a esse valor, ou seja a uma profundidade de 30 metros debaixo d’água o mergulhador está sujeito a pressão equivalente a “quatro atmosferas” ou 4kg/(m.s²) que é o equivalente a 4 Pascal (Pa) no Sistema internacional de Medidas. Para voltar a superfície, este mergulhador seria obrigado a emergir de forma lenta e gradual, para evitar o surgimento de pequeniníssimas bolhas de nitrogênio capazes de bloquear terminais de vasos sanguíneos e causar dores imensas por todo o corpo, principalmente nas juntas. Além de tonturas, paralisia temporária e convulsões, dependendo do caso. São os sintomas do bends, o “mal dos mergulhadores”. Para compreender melhor o conceito de pressão, é necessário dar uma olhada no assunto sob o ponto de vista molecular: o primeiro cientista a fazer isso foi Daniel Bernoulli, em 1738.

Bendis1


Ele imaginou um cilindro vertical, fechado, com um pistão no topo (o pistão tendo um peso agindo sobre ele). Ambos (o pistão e o peso) seriam entãosuportados pela pressão existente dentro do cilindro. Bernoulli descreveu o que ocorria dentro do cilindro da seguinte forma: “imagine que a cavidade contenha partículas muito pequenas, se movimentando de maneira frenética para lá e para cá, de modo que quando estas partículas batam no pistão elas o sustentem com repetidos impactos, formando um fluido que expande sobre si caso o peso seja retirado ou diminuído…” Exatamente o que mostra a figura aqui ao lado. Como de costume na história da física, seu relato não foi aceito de maneira geral,apesar de correto: a grande maioria dos cientistas da época acreditava que as moléculas de um gás se encontravam em repouso, repelindo-se à distância, fixas no espaço de alguma forma pelo que deveria ser o éter. Porém, Isaac Newton mostrou que o fato de PV = constante é uma conseqüência da teoria de Bernoulli, desde que a repulsão dependa inversamente do quadrado da distância entre as moléculas.
Muito tempo depois disso, em 1820 o inglês John Herapath deduziu uma relação entre pressão e velocidade molecular e tentou publicá-la pela Royal Society (a academia de ciências britânica, da qual Newton foi um dia presidente). O então presidente, Humphry Davy, rejeitou a idéia: segundo sua réplica, igualarmos pressão e temperatura (como feito por Herapath), implicaria na existência de um zero absoluto de temperatura – uma idéia que Davy relutava em aceitar.
 ENERGIA MOLECULAR E PRESSÃO
Não é nem um pouco difícil para você entender o modelo de Bernoulli, se conseguir relacionar a pressão de um gás com sua velocidade molecular, um mais-que-fácil pequeno exercício mental: basta se concentrar em uma pequena partícula dentro daquele volume todo de ar dentro do pistão, movimentando-se rapidamente de um lado para outro dentro do tal cilindro. Afinal, o gás ali contido é composto por muitas, mas muitas partículas – apenas isso. Então, pensando nessa partícula, sabemos que ela deve ter uma massa m (ei, tudo o que ocupa lugar no espaço possui massa, certo?E se eu não quero fazer contas com números, qual o problema em chamar a massa de m, a velocidade com que se move dentro do cilindro de v e o comprimento do cilindro de L? É a velha história do “o que tem asa, bico e se guarda embaixo da cama…”).
Bendis

Enfim, lá está o pistão, “tampando” a extremidade superior, de modo que todo o movimento é ao longo da mesma direção: Obviamente, o pistão não sente uma força contínua, mas uma série de impactos igualmente espaçados! Nossa partícula não fica ali parada empurrando o pistão para cima, como se fosse um pobre desafortunado empurrando seu carro sem gasolina pela rua, ela se move de um lado para o outro como a platéia do show dos Ramones ao som de Surfin´Bird, colidindo com as extremidades do cilindro. No entanto, se o pistão for muito mais pesado que a partícula (o que é obviamente verdadeiro), isto acaba gerando o efeito que uma força suave aplicada durante tempos longos (comparados com o intervalo entre os impactos).

Agora, se aplicarmos a lei de Newton (na forma força = taxa de variação do momento) podemos criar uma regra geral para o caso de lidarmos com muitas partículas que se movimentam dentro daquele cilindro: a pressão é a força por unidade de área, P = F/A. É claro que não sabemos quais são as velocidades verdadeiras de cada molécula em um gás, mas cá entre nós, não precisamos deste detalhe. Ao menos, não neste momento, pois o que procuramos é um resultado impressionantemente simples e exatamente o que acabamos de obter: a pressão macroscópica de um gás é diretamente relacionada à média da energia cinética das moléculas. 

Óbvio que não consideramos neste raciocínio as complicações devido às interações entre as partículas, portanto nosso resultado serve para gases como o ar, em temperatura ambiente (onde as tais interações são muito pequenas). Além do mais, se você está cursando (ou já cursou) o ensino médio, é bem capaz de já ter ouvido falar que a maioria dos gases satisfaz a algo chamado de “lei dos gases ideais” (PV = nRT), sob um grande intervalo de temperatura. 
Voltando a falar agora sobre os poderes do Aquaman de uma forma direta, vamos tentar compreender o quão rápido ele é capaz de se mover. Para afins de comparação, no quesito “velocidade”, estou falando de uma cena específica em que o Aquaman estava a cerca de 200 metros de profundidade,  o que equivale a 21 Pa. Vencer essa distância em 3 segundos significa nadar a 66,6 m/s ou seja, quase 240 km/h! Para comparar como a velocidade dos peixes, o agulhão-vela (considerado o animal aquático mais veloz do mundo) consegue atingir 109 km/h em pequenas distâncias. e de acordo com o ranking elaborado pelo  Centro ReefQuest de Pesquisa em Tubarão, dos EUA, o agulhão-vela é seguido de perto pelo peixe-espada, que nada a 96 km/h, e pelo marlim, que atinge por volta de 80 km/h.


O feito desses animais é excepcional, se recordarmos a densidade da água em relação ao ar (um fator importante para se entender as capacidades do Aquaman)  que exige dos peixes uma extraordinária força para se locomover. Dos outros animais marinhos, ressalto a rapidez de golfinhos (cujo campeão em velocidade é a orca, com 55 km/h)  e tubarões, em que o mais rápido é o mako-cavala, com 50 km/h.

Para comparar com um ser humano, considere o atleta tido como “o homem mais rápido do mundo” na vida real. Ele consegue alcançar a velocidade de 36,8 km/h, enquanto o recorde mundial de natação equivale a uma velocidade de 9km/h.  

Mas e quanto aos saltos do Aquaman? As novas histórias ainda não mostraram a localização da Atlântida, mas arrisco um chute seguro ao dizer que o reino perdido se encontra em algum lugar na região chamada Planície Abissal do oceano Atlântico, que recebeu esse nome devido a lenda da Atlântida. Trata-se de um local situado entre 2.000 a 6.000 metros de profundidade, portanto, estamos falando de uma quantidade entre 200 a 600 Pa. E personagens (lembre-se de que Arthur Curry não é o único atlante) capazes de se mover sob essa pressão com a mesma desenvoltura com que eu ou você nos movimentamos em nosso dia-a-dia. 

Adotando como valor médio 400 Pa, é possível imaginar o valor da densidade muscular do Aquaman e, consequentemente, obter uma estimativa de qual seria seu nível de força. Sabendo que um homem em boa forma física é capaz de erguer 100kg com as duas mãos, sob o efeito de 1 Pa, basta multiplicar esse valor por 400, ignorando os efeitos da aceleração da gravidade e empuxo da água,  e temos alguém capaz de erguer 40 toneladas sem muito esforço quando está fora da água. Levando em conta que o ato de pular é na verdade exercer uma força contra o solo, impulsionando-se o corpo para cima, a nova habilidade de saltar  dessa versão do Aquaman se torna compreensível.


E sua capacidade de resistir a grandes quedas e sair  andando, bastante plausível.

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