Um
dos episódios mais tristes em minha vida escolar foi também um dos mais
marcantes, e está intimamente relacionado com as aventuras do Capitão Átomo,
uma série que tive a oportunidade de reler recentemente. Tornei-me leitor
de histórias em quadrinhos tão logo aprendi a ler e as revistinhas infantis da
Turma da Mônica foram dando lugar as aventuras do Pato Donald e seus sobrinhos,
que por sua vez cederam sua vaga no centro de minha atenção para as fantasias
de super-heróis.
Olhando
agora, me parece um fluxo evolutivo bem natural: se nunca parei verdadeiramente
de ler a Turma da Mônica ou o Pato Donald, o desenvolvimento do hábito da
leitura trouxe consigo a exigência por narrativas mais “complexas”.
E
quando falo em “complexidade narrativa” me refiro não somente as tramas e
tramóias das historietas, mas da ambientação em si: se a nave do Astronauta era
suficiente para impulsionar minha imaginação aos 7 anos de idade, o mesmo não
aconteceria aos meus 12 anos, em plena era Reagan. Bem, para
entender isso você vai ter que saber o que exatamente foi essa tal de “era
Reagan”: um tempo de intervenção militar norte-americana agressiva no que era
chamado de “Terceiro Mundo” (uma nomenclatura politicamente incorretíssima para
os padrões de hoje, mas que aprendíamos nos livros de geografia na escola),
como a invasão de Granada e a guerra da Nicarágua, por exemplo.Some a isso as incansáveis reportagens do
“Fantástico” sobre “como a URSS possui
poder nuclear para explodir o mundo 098708 vezes” e pronto, você já consegue
entender a vastidão de filmes a lá Chuck Norris que foram produzidos naquela
época.
Afinal, a indústria do entretenimento alimentava essa mentalidade militarista pondo a disposição do consumo representações culturais que mobilizavam apoio a essa política agressiva dos USA. Na verdade, você pode pensar em Reagan como um “pré- George Bush”, mesmo. Para se situar melhor, tenha em mente que a série em quadrinhos do Capitão Átomo foi simultânea ao primeiro grande sucesso de Tom Cruise no cinema – TOP Gun ("Ases Indomáveis"), um filme que opera o universo binário de “bem contra o mal” trabalhando principalmente sobre competição e vitória: mulheres, honra militar e status social. Bem aquela idéia de lutar com todas as forças para obter vitória em todos os domínios da vida social. Voltando as Histórias em Quadrinhos, foi com alegria que cheguei ao primeiro dia de aula da 8 série do ginásio (hoje, 9 ano do EF II). Pode parecer piegas, mas a ideia de estudar Ciências me fascinava – mesmo estando longe do estereótipo de Nerd completo.
Pensei que encontraria nos livros de Física e Química os assuntos que povoavam minha imaginação, afinal a ficção científica da época já havia me apresentado a antimatéria, aos buracos negros e a teoria de muitos mundos, só para citar alguns. Fora isso as palavras 'bomba atômica' e 'velocidade da luz' eram já velhas conhecidas dos noticiários de domingo e eu estava mesmo louco para saber o que significavam. Em especial, estava sendo publicado no Brasil como parte do mix de heróis da Liga da Justiça um novo super-herói chamado "Capitão Átomo", cujos poderes vinham da “misteriosa” física quântica e cujo desenrolar das aventuras em muito se aproximava do ambiente de “Top Gun”.
A
História do Gibi
Na
década de 1960, o capitão da força aérea norte-americana Nathanael Adam foi
injustamente condenado por crimes cometidos durante a guerra do Vietnã. Em uma
tentativa de obter o perdão presidencial e provar sua inocência, Nathanael se
ofereceu como voluntário para uma experiência sinistra: envolto por uma liga
metálica alienígena, presenciou a explosão de uma bomba atômica,
desintegrando-se (a idéia era saber se o metal poderia proteger um ser humano
do poder da explosão). Vinte anos depois, ele ressurge no mesmo lugar, com o
metal alienígena formando uma espécie de segunda pele e dotado de superpoderes
oriundos do Campo Quântico,
que passa a utilizar para poder voar, obter superforça, absorver explosões e
disparar rajadas de força quântica. Na verdade, a palavra “quantum” e seus
derivativos aparece mais vezes no gibi do que qualquer outra que se possa
imaginar. A explicação encontrada pelo Dr. Megala (o gênio por trás da
ideia da explosão) é de que Nathanael realizou um salto quântico, ressurgindo
20 anos no futuro (a década de 1980).
Em meio a aparente epidemia de Super-Heróis nos EUA, a Força Aérea decide trocar seu nome para Cameron Scott (lembrem-se de que ele era um criminoso de guerra condenado) e infiltrá-lo como espião em meio a comunidade de superseres, apresentando uma farsa em que o nobre Capitão vinha combatendo o crime em segredo há anos, mas só agora havia encontrado coragem para se assumir publicamente como super-herói. Uma história que faz bastante sentido se dermos uma olhada nos uniformes que ele teria utilizado em seus anos “secretos”.
Infelizmente,
aprendi que o papel cultural da ciência, largamente explorado pela mídia de
consumo, não seria complementado pela escola, a quem caberia esse papel. Em
especial, me refiro a reação do meu professor de Química durante sua aula de distribuição letrônica, quando lhe indaguei sobre alguma semelhança com os
poderes do Capitão Átomo: ele não apenas se recusou a me responder, como
repreendeu minha indagação afirmando que somente um gênio seria capaz de
entender a Fisica Quântica!
Pobre
professor! Além de perder a chance de apresentar uma maravilha da ciência a
toda uma classe de jovens alunos, ainda contribuiu para a mistificação da
física moderna e da figura do cientista (aparentemente, “um ser iluminado por
divindades e abençoado com a dádiva do conhecimento”). Imagino qual seria sua
reação se eu tivesse perguntado a respeito dos poderes do Nuclear! (o
esquentadinho “Firestorm”, no original).
Ainda
que fosse um fato desconhecido no passado, não se pode negar que hoje o
primeiro contato de uma pessoa com a ciência se dá pelo seu papel de
instrumento cultural. Basta dar uma olhada nos super-heróis de que estou falando
nesse texto: Capitão Átomo, Nuclear, Dr. Espectro (esse, um vilão).
Um comentário:
Ótimo texto, gostei!
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