Por Ricardo Quartim
O consagrado escritor brasileiro e também cartunista Luis Fernando Veríssimo, mais conhecido por seus textos de humor e ácida crítica de costumes, criador de personagens famosos como O Analista de Bagé, Ed Mort dentre outros, deu um tempo em sua jocosidade e fez uma verdadeira ode ao Cavaleiro das Trevas.
Veríssimo que até já imaginou um irônico diálogo entre Drácula e Batman, agora nos brinda com um belíssimo e poético texto em homenagem ao Homem Morcego.
Tenham uma Bat-leitura!
PODERES
O Batman é
um super-herói sem superpoderes. Não voa, não enxerga através do aço,
não faz o globo girar ao contrário. O único outro exemplo da espécie que
me ocorre é o Fantasma, mas o Fantasma ficou datado. Há algo de
irremediavelmente antigo na sua figura, vivendo aquela fantasia de
onipotência colonial entre os pigmeus. O Batman, ao contrário, é um
herói metropolitano. Só é concebível num cenário urbano onde o gabarito
foi liberado. E fica cada vez mais atual. Cada nova versão do Batman no
cinema é mais sofisticada do que a anterior. Começou como gibi filmado,
já foi comédia pós-moderna estilizada, agora – pelo que leio, ainda não
vi – é uma tragicomédia com sombrias referências às paranóias do
momento. Batman é reincidente e nunca fica datado porque nunca fica bem
explicado, tem sempre uma conotação a mais a ser explorada, um lado da
sua personalidade e da sua legenda a ser descoberto e dramatizado. E
acho que o fato de não ter superpoderes tem muito a ver com a sua
permanência através de todos estes anos, que não foram piedosos com os
outros super-heróis clássicos, massacrados pela paródia e o
esquecimento.
Desde
o momento em que foi matar uma mosca e demoliu a mesa, o Super-homem
conhecia seus poderes. Os poderes definiram o homem. Ele não poderia ser
outra coisa além de Super-homem, sua vida estava decidida já nas
fraldas. Batman escolheu ser Batman. Nada determinava a sua escolha. Não
tinha nem a carga genética para guiá-lo, como o Fantasma, que pertencia
a uma dinastia de Fantasmas. Se a legenda do Super-homem é uma parábola
sobre a predestinação, a do Batman é uma reflexão sobre o
livre-arbítrio. A única coisa que une os dois é a obsessão em fazer o
Bem – o que torna a escolha do Batman ainda mais misteriosa. Ele decidiu
ser um homem-morcego. Logo o morcego, bicho hemofágico e ruim, cuja
única antropomorfização (com perdão do palavrão) conhecida antes do
Batman foi o Drácula. Escolhendo um símbolo do Mal para fazer o Bem,
Batman enfatizou seu livre-arbítrio. Nada determina as suas ações, nem a
Natureza que fez o Super-homem super e o morcego asqueroso. Sua
obsessão pelo Bem é uma escolha moral, desassociada de qualquer
imperativo externo. Ele não é um herói para melhorar a reputação dos
morcegos nem porque veio de outro planeta predestinado a ser bom, ou
porque gosta de usar malha justa. O que a sua legenda nos diz, e talvez
por isso dure tanto, é que o ser humano é cheio de imperfeições e maus
impulsos, limitado pela biologia e condicionado por mitos e tradições,
mas é livre para escolher o que quer ser. E decidir ser justo.
Está aí, um super-herói do iluminismo. Longa vida para o Batman.
Luis Fernando Veríssimo
Fonte: http://www.chamandosuperamigos.com.br/2013/03/o-batman-segundo-luis-fernando-verissimo.html
Um comentário:
Eu sempre gostei do Batman acima de todos os outros super(ou não)heróis. E gosto dele justamente pelo fato de ser bom e fazer o bem porque quis assim!
O admiro tanto, ou admiro o criador dele, pois o dilema que gira em torno dele me remete a uma frase muito utilizada por meus pais: Faça o bem ser olhar a quem!
Belíssimo texto. Obrigada Luis e Gelson.
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